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A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NA LEI MARIA DA PENHA

A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NA LEI MARIA DA PENHA

1 INTRODUÇÃO

O presenta artigo traz uma explanação sobre os aspectos controversos que envolvem a violência psicológica contra a mulher no ambiente doméstico e familiar.  A evolução da humanidade trouxe o incremento de sua dinamicidade e complexidade, inserindo, crescentemente, a figura feminina no mercado de trabalho, permitindo uma maior independência do “sexo frágil”. Paralelamente, os meios de comunicação de massa ganham em tecnologia, universalizando as informações. As notícias cruzam o planeta com grande velocidade, atingindo os mais remotos rincões do globo em questões de segundos. O aumento da disponibilização de informações tende a recrudescer a massa crítica que leva a uma cobrança mais acirrada das autoridades públicas frente aos atos de violência. Este trabalho trata especificamente da Lei 11.340/06, em especial a violência psicológica, editada em resposta à demanda da sociedade por providências mais enérgicas no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

A reposta estatal veio com a enumeração das condutas delitivas específicas que atentam contra a integridade da mulher no convívio familiar. As ações insertas na lei não suscitam muitas dúvidas, pois, podem ser comprovadas mediante exames pericias, contábeis, análises documentais e testemunhais, entre outros meios de prova previstos no ordenamento jurídico. A exceção exsurge na violência psicológica que demanda uma maior discussão. Esse tipo de atentado requer uma análise mais profunda por tutelar a saúde emocional, campo ainda dotado de um grau elevado de abstração, inclusive entre os profissionais da área. A norma positivada no art. 7º, inciso II, é demasiadamente ampla, indo de encontro à dogmática penal contemporânea mais abalizada.


2   A LEI MARIA DA PENHA E O INJUSTO PENAL DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA  


Os agrupamentos humanos nos primórdios da civilização, constituídos por células familiares, davam forma às comunidades, concentrando o poder nas mãos dos mais fortes, reconhecidos como patriarcas. A mulher, além da dependência econômica do marido, era considerada um ser inferior e subserviente, cujo propósito era apenas o de procriação.  O poder familiar estava concentrado no “cabeça do casal”, o “macho alfa”. O conceito de família, acompanhando a evolução social, vem sofrendo adaptações. Inicialmente, a célula familiar guardava uma relação direta com as justas núpcias, cuja configuração necessária demandava a união de duas pessoas de sexo diferente. Portanto, a família como instituição jurídica e social, representava uma síntese do vínculo conjugal, de parentesco e de afinidade, produto do casamento que teve um papel de destaque na história da humanidade, tendo sido considerado, por muito tempo, o único instituto legitimado a formá-la (COMMAILLE, 1997, p. 25).
O progresso da humanidade traz consigo desafios que precisam ser enfrentados pelo direito através da constante atualização do ordenamento jurídico. O incremento das relações intersubjetivas exige uma peculiar dinâmica normativa para a tutela da sociedade e coibição dos mais variados excessos. O indivíduo evolui e traz consigo o anseio cada vez maior de ter sua integridade e dignidade preservados, exigindo dos legisladores uma atuação mais intensa e contundente na elaboração de leis eficientes para o combate às novas e antigas formas de violência. Entre as últimas se enquadram as agressões à mulher. O direito impõe regras de comportamento imprescindíveis para a organização da sociedade, orientando e disciplinando as atividades dos indivíduos. É precisamente no seio social que o direito surge e evolui, refletindo a consciência coletiva na tentativa de guiar as condutas humanas, evitando ou debelando conflitos. A ausência desse instrumento, certamente, impossibilitaria a harmonia e a paz social inviabilizando a própria civilização (CAVALIERI FILHO, 2003, p.8).
       A contemporaneidade dilatou sobremaneira a ideia de família, seguindo a evolução humana, mudança de valores e dinâmica social. A obsoleta definição sofreu ampla modificação, merecendo destaque, inclusive, no ordenamento jurídico pátrio. A CF/88, em seu capítulo VII, art. 226, contempla a proteção da família, sob uma conotação mais moderna. Tamanha foi a exigência social por mudanças que fez com que o legislador constituinte dedicasse um capítulo inteiro à proteção da família. Não sem razão, as atenções do direito se voltam para as relações conjugais, no intuito de dispensar um mínimo razoável de regulação para a tutela dos mais fracos e preservação da dignidade de todos os integrantes do ambiente doméstico. O caso Maria da Penha, que ganhou notoriedade mundial, foi um exemplo dentre os inúmeros episódios de violência doméstica, recorrentes em vários países do mundo, não merecendo o Brasil figurar entre as exceções. Raras eram as vezes em que os agressores restavam efetivamente punidos, redundando em um ciclo vicioso cada vez mais violento, até o resultado morte ou mutilação. O clamor popular despertou a atenção de várias organizações femininas, religiosas, movimentos sociais, imprensa, entre outros. Em 7 de agosto de 2006, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o que seria a Lei nº 11.340, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, justa homenagem a uma pessoa que tão brilhantemente representou a luta da mulher por respeito, justiça e proteção, simbolizando um acirramento das medidas coercitivas, inaugurando uma verdadeira guerra contra essa mazela social.
A interferência estatal na vida privada deve se reservar para os casos mais graves de violência doméstica e familiar, evitando-se sua banalização e a utilização desvirtuada da incipiente legislação específica, desenhada para a proteção da mulher. Os fatos históricos e os inumeráveis registros de casos de violência não deixam dúvidas sobre sua necessidade, porém, o direito penal deve manter seus preceitos fundamentais, funcionando como a ultima ratio. A fragmentariedade não deve ser ignorada, sob pena de tolher a liberdade e expor demasiadamente o ambiente doméstico. O núcleo familiar é o meio onde, fundamentalmente, ocorre o desenvolvimento da personalidade, da afetividade e dos valores éticos e morais do indivíduo. Ao Estado cabe garantir sem, no entanto, impedir o curso normal de aprendizagem e convivência entre os familiares.

A lei enumera, exemplificativamente, as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. O artigo 7º concentra a essência do delito combatido pela lei, dividindo as ações de violência contra a mulher em cinco categorias distintas. A violência física, sexual, patrimonial e moral, encontram assento há muito na normatização pátria, não oferecendo maiores dificuldades de identificação, o que não acontece com a psicológica.

Destaca-se a violência psicológica pela dificuldade de obtenção de provas plenas, cuja redação foi dada pela Lei nº 13.772/2018. A subsunção do fato à norma requererá uma exegese mais apurada para a identificação de uma conduta capaz de causar um abalo psicológico importante que legitime a intromissão e consequente aplicação da violência estatal. A psiquê humana é uma área complexa e ainda muito carente de definições mais precisas, dificultando muito uma “medição” da violência psicológica. Destarte, justifica-se um estudo mais detido do inciso II, art. 7º, da Lei Maria da Penha.

A descrição do art. 7º, inciso II, ilustra o que a doutrina denomina de tipo penal aberto, demandando uma valoração do julgador para a integralização do delito. Os tipos abertos são utilizados pelo legislador em situações onde não se vislumbra a possibilidade de previsão de todas as ações possíveis e prováveis que poderão conduzir à ação criminosa, carecendo, por este motivo, de descrição completa e precisa de todos os elementos formadores do crime. Imprescinde a complementação exegética por parte dos julgadores, pois, torna-se impossível, através da simples leitura do artigo, a correta análise da subsunção do fato à norma (GRECO, 2015, pp. 222-223).

A conduta perpetrada pelo autor deve receber valoração para permitir a identificação de sua capacidade de provocar um dano emocional, reduzir a autoestima ou preencher alguns dos demais requisitos do tipo, em detrimento da vítima. Exsurge o debate sobre o limite permitido de uma ação ou omissão, seja por meio de palavras ou atitudes, que não violem a lei. Portanto, cabe ao magistrado traçar um padrão aceitável de comportamento, parametrizando uma medida razoável entre as mulheres mais sensíveis e as menos susceptíveis de abalos psicológicos, com a finalidade de coibir excessos na criminalização e, por outro lado, evitar a leniência que conduz à impunidade.

A tipicidade da conduta com potencial para denotar uma violência psicológica constitui o ponto fulcral na definição do delito apresentado, pois, o legislador não foi feliz na delimitação do tipo, dando azo a uma ampla abstração e, consequentemente, dificultando a intelecção da norma positivada. A doutrina majoritária divide a tipicidade penal em dois elementos, quais sejam: tipicidade formal e tipicidade material. A adequação da conduta do agente deve se dar de forma perfeita ao modelo abstrato previsto na lei penal. Apenas dessa maneira irá constituir a tipicidade formal ou legal. Caso contrário, a ação será formalmente atípica. A tipicidade material está relacionada ao princípio da intervenção mínima, não prescindindo de uma análise do caso concreto, pois, o postulado de fundamental importância ao direto penal contemporâneo é a tutela de bens jurídicos penalmente relevantes para a sociedade (GRECO, 2015, pp. 211-212).

A construção do tipo penal deve dispensar atenção na máxima objetividade, buscando a redução das dubiedades ou indeterminações que possam incrementar demasiadamente o arbítrio dos julgadores, trazendo a descrição do delito para dentro de uma moldura legal que restrinja sua interpretação à tutela de bens jurídicos penais, cuja lesividade seja suficiente ao atendimento da política criminal e dos legítimos interesses sociais. A dinamicidade característica do direito, deve remeter seus operadores para dentro de um escopo axiomático razoável, com a finalidade de melhor definir as condutas delituosas merecedoras da repressão penal. Logo, o art. 7º, inciso II, da Lei Maria da Penha, peca por sua excessiva extensão na conformação da conduta delitiva.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fragilidade feminina diante do desrespeito, arbítrio, humilhação, e demais formas de agressão, mereceu resposta estatal dura e direcionada. A exposição das condutas atentatórias às mulheres, perpetradas por cônjuges, companheiros ou namorados, fez surgir uma massa crítica social, incrementando o poder de cobrança por uma resposta estatal.

Porém, não obstante a necessidade de uma intervenção mais contundente no ambiente familiar e doméstico, deve prevalecer o uso racional do direito penal, respeitando todos os seus fundamentos. A violência estatal legitimada, representada pela sanção criminal, deve se reservar às condutas penalmente relevantes, descritas da forma mais objetiva e inteligível possível. Normas positivadas vagas, de difícil ou ampla exegese, franqueiam aos operadores do direito, mormente os julgadores, um vasto espectro de subsunção do fato à descrição do tipo delitivo. Essa situação expõe excessivamente o cidadão aos humores das autoridades públicas, incrementando o risco de interferências desmedidas e inconvenientes no ambiente doméstico ou familiar.

Diante da extensa abstração da norma penal proibitiva da violência psicológica contra a mulher, o poder estatal deve dispensar maior atenção à capacitação de seus agentes na condução desse tipo criminal, com a criação de delegacias e varas especializadas, objetivando coibir excessos de ambas as partes, tanto do suposto autor quanto da suposta vítima.


REFERÊNCIAS

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de sociologia jurídica (Você conhece?). 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003;
COMMAILLE, Jacques. A nova família: Problemas e Perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 25.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

 


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