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Direito Militar: Jurisdição e Competência

Direito Militar: Jurisdição e Competência

RESUMO

O presente trabalho pretende promover uma discussão sobre a jurisdição e a competência da Justiça Militar do Brasil. O atingimento desse objetivo não pode olvidar do entendimento da legitimidade estatal para o manejo do Direito Penal e o inafastável respeito à Constituição Federal e à estrita aplicação da lei. A jurisdição, como o poder-dever de dizer o Direito, de certa forma, integra o conjunto da tripartição dos Poderes, constituindo um de seus elementos fundamentais. Através desse conceito é que se cria as condições para o surgimento da competência, entendida esta como uma especialização essencial à viabilização do atendimento às demandas judicias contemporâneas, cuja dificuldade vem aumentando em razão do incremento da complexidade das relações intersubjetivas de relevância jurídica. O estudo de qualquer área do Direito exige um conhecimento prévio de sua espinha dorsal, que sustenta a miríade de ramificações representadas pelos seus diversos ramos. A jurisdição e a competência são partes integrantes desse tronco principal cuja ausência inviabilizaria a própria existência do sistema jurídico. O método mais adequado para o desenvolvimento do presente artigo é o descritivo com a utilização de pesquisas bibliográficas em livros e artigos científicos. O objeto central do trabalho é estabelecer um debate sobre o instituto da jurisdição e da competência dentro do escopo do Direito Penal Militar, ressaltando a sua importância na busca pelo ideal do Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: Justiça Militar; Direito Penal Militar; Jurisdição; Competência.

ABSTRACT

The present work intends to promote a discussion about the jurisdiction and competence of the Military Justice of Brazil. The achievement of this objective cannot forget the understanding of state legitimacy for the handling of Criminal Law and the unavoidable respect for the Federal Constitution and the strict application of the law. Jurisdiction, as the power-duty to say the Law, in a certain way, integrates the set of the tripartition of Powers, constituting one of its fundamental elements. It is through this concept that the conditions for the emergence of competence are created, understood as an essential specialization to enable the fulfillment of contemporary judicial demands, whose difficulty has been increasing due to the increase in the complexity of intersubjective relationships of legal relevance. The study of any area of ​​law requires a prior knowledge of its backbone that supports the myriad of ramifications represented by its various branches. Jurisdiction and competence are integral parts of this main trunk whose absence would make the very existence of the legal system unfeasible. The most appropriate method for the development of this article is the descriptive one with the use of bibliographic research in books and scientific articles. The central object of the work is to establish a debate on the institute of jurisdiction and competence within the scope of Military Criminal Law, emphasizing its importance in the search for the ideal of the Democratic State of Law.

Keywords: Military Justice; Military Criminal Law; Jurisdiction; Competence.

1.      INTRODUÇÃO

Trata este artigo acadêmico de um assunto deveras importante no manejo do Direito Penal, mormente quando se refere a um dos seus ramos específicos, como é o caso do Direito Penal Militar. É de relevância ímpar a definição do fórum jurídico correto preliminarmente à inauguração de uma ação judicial, seja qual for a sua espécie. A questão impacta diretamente sobre o princípio do juiz natural, cujo debate não pode dispensar o entendimento do que seja a jurisdição e a competência.

O estudo é iniciado pela discussão sobre a jurisdição, a fim de estabelecer uma sequência lógica, posto que desta deriva a competência. No tópico inicial pode ser identificada a importância da reta compreensão do significado desse instituto, pois integra a configuração utilizada hoje por praticamente todos os países, qual seja, a tripartição dos Poderes como forma de promover o equilíbrio e a harmonia recíprocos, a fim de evitar governos ditatoriais que antagonizam o Estado Democrático de Direito. Essa forma de organização foi eleita como um sistema de cunho mais equânime e democrático por grande parte da sociedade global. No Brasil, o Poder Judiciário é o detentor do monopólio da decisão derradeira que é a judicial, salvo algumas exceções constitucionais pontualíssimas que fogem ao objeto deste trabalho. Em que pese as várias opiniões contrárias, cabe a esse a última palavra, quando instado a se pronunciar, a respeito de todos os fatos de relevância jurídica, configurando o que se denomina jurisdição.

Finalizada a argumentação sobre a jurisdição, adentraremos no estudo da competência, cuja importância é fulcral na viabilização do devido processo legal. O prévio conhecimento do fórum competente para processar e julgar uma ação judicial está umbilicalmente atrelado ao princípio constitucional do juiz natural, demandando reta e estrita obediência à previsão legal, sob pena de afronta à Lei Maior e consequente violação do Estado Democrático de Direito. A negligência desse instituto fulmina a legitimidade dos respectivos magistrados e, consequentemente, termina por configurar uma espécie de tribunal de exceção, guardadas as devidas proporções. Em sede de Direito Penal e Direito Penal Militar não há que se cogitar de qualquer possibilidade de relativização, pois trata-se de matéria de ordem pública com previsão clara e expressa no ordenamento positivado pátrio. Portanto, tal vício tem o condão de eivar com nulidade insanável a ação penal, não havendo o que se falar, sob nenhuma hipótese ou justificação, em prorrogação da competência como forma de sanear o feito.

2.      A JURISDIÇÃO

Ao adentrarmos na discussão de quais matérias deverão ser processadas e julgadas pela Justiça Militar, mister se faz uma maior digressão do que seja jurisdição e competência. A jurisdição se reporta ao início da civilização, como meio de atenuar os conflitos surgidos do convívio social, resolvidos através do uso exagerado da força, conhecido como autotutela. Apesar do aparecimento da autocomposição e da mediação, meios menos violentos de solução das divergências, a evolução humana não foi capaz de prescindir da organização do Estado para assumir a tarefa de pacificação social, que deveria ser exercida de forma imparcial e coativa, dando forma ao conceito de jurisdição.[2]

A operacionalização do Direito, através de um terceiro imparcial, em uma situação concreta, com característica criativa e de autoridade, define a jurisdição, demonstrando a manifestação do poder estatal e sua capacidade de impor decisões, além de, funcionalmente, prevenir e debelar conflitos interindividuais através de seus órgãos. Em síntese, ilustra um complexo de atos exercidos pelos juízes nos processos em obediência às suas atribuições definidas por lei.[3]

Para além de um poder, deve se ter o entendimento de que a jurisdição é um dever do Estado, cuja legitimação não prescinde de um exercício estritamente dentro das normas do ordenamento jurídico, observando-se a tutela dos direitos fundamentais e a coibição de excessos. A sociedade delega ao Poder Público o poder-dever de agir em prol da harmonia e pacificação dos agrupamentos humanos, pois que essencial a sua própria sobrevivência. O exercício da jurisdição, dentro do escopo ideológico apresentado por Montesquieu em sua teoria da tripartição dos poderes para a promoção da descentralização da soberania do Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário – ficou a cargo deste último quando se fala em jurisdição única, que é o caso do Brasil, contendo apenas algumas exceções constitucionais específicas em que o Congresso Nacional, representando o Poder Legislativo, assume a jurisdição.

A Constituição Federal excepciona a regra da jurisdição única quando atribui, privativamente, ao Senado Federal o poder-dever para processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado, os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, nos delitos de igual natureza conexos com aqueles, bem como processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, nos crimes de reponsabilidade, verbis:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)

II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(...)

Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

A excepcionalidade constitucional descrita não tem o condão de desvirtuar o tipo de jurisdição no Brasil. Mostra-se uma regulação pontual como medida de preservar o sistema de freios e contrapesos entre os poderes da República, onde o papel do Legislativo é destacado como moderador dos comportamentos supostamente desbordantes da legislação em relação às mais ranqueadas autoridades executivas da nação, incluindo-se também o controle sobre a atuação dos ministros do Supremo Tribunal Federal, quando exorbitam de suas funções pelo cometimento de ações definidas como crimes de responsabilidade, a exemplo do que sucede com o Presidente da República e seu mais alto staff.

Definido o gênero, passemos à análise da espécie conhecida como jurisdição criminal que consiste no poder estatal de julgar validamente as condutas proibidas pelo ordenamento jurídico-penal. As ações e omissões de menor potencial ofensivo, cujas sanções são mais leves, constituem objeto de apreciação de outros ramos jurídicos como o Direito Civil, Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Eleitoral, etc. Analogicamente ao que Von Feuerbach leciona no Direito alemão, a jurisdição criminal deve corresponder estritamente às questões penais. Ao Direito Penal deve ser reservado, exclusivamente, a repressão de violações dos bens jurídicos que tenham como consequência a cominação de sanções criminais especialmente graves.[4]

A jurisdição é definida como sinônimo de poder, denotando uma atribuição do Estado de exercer violência legítima sobre o cidadão, desde que obedecidos todos os preceitos legais. A pena agride, inexoravelmente, a vida privada e social do indivíduo, requerendo a atuação de um fórum específico, com poderes bastantes para o processo e julgamento das condutas proibidas que violam os interesses penalmente relevantes. A jurisdição criminal constitui um apêndice desse poder e como tal deve ser exercida sob a mais rigorosa limitação legal, absolutamente dentro dos limites estabelecidos pelas normas positivadas do ordenamento jurídico, sob pena de operar ilegitimamente, atentando contra a dignidade humana e, por consequência, violando o Estado Democrático de Direito.

Em síntese, a jurisdição criminal significa dizer o Direito dentro do escopo penal que é o ramo responsável pelo controle social mais incisivo existente na sociedade, quando se trata de intervenção estatal na vida do indivíduo. O Estado, por esta razão, detém o monopólio, mas, em contrapartida, a potestade deferida não deve olvidar da clara delimitação legal, motivo pelo qual a norma positivada necessitar de uma construção de fácil intelecção pelo público geral. Tal pressuposto aumenta o grau de garantia do cidadão contra potenciais abusos das autoridades.  Eis que exsurge então o princípio da legalidade indispensável à atuação repressiva, impondo normas comportamentais definidas e aprovadas pelo legislador pátrio. Estas são definidoras dos delitos que geram as sanções penais, entre elas as medidas de segurança, constituindo um sistema jurídico que caracteriza o Direito Penal, e por óbvia extensão, o Direito Penal Militar. [5]

3.      A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR

A complexidade das relações humanas e a dinâmica social cada vez maior criam um cenário muito diversificado, não prescindindo de abordagens específicas para determinadas situações e provocando a necessidade de diversificação do trabalho. A função jurisdicional necessita de especialização para viabilizar o cumprimento de sua finalidade. Por questões de conveniência, os diversos órgãos do Judiciário recebem atribuições distintas conforme determinados critérios para a solução dos diferentes tipos de conflitos, fazendo surgir o que denominamos competência. Na lição de Fredie Didier Jr.:

A competência é exatamente o resultado de critérios para distribuir entre vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. A competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por lei. É o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição. É a medida da jurisdição.[6]

O Poder Judiciário, composto por vários órgãos, não prescinde de uma clara divisão de tarefas, determinando-se a atribuição funcional de suas unidades. O exercício legítimo da jurisdição passa, inexoravelmente, pela distribuição de funções das diversas áreas do Direito, delegando o respectivo poder-dever com a consequente limitação de seu exercício para cada fração. Se o poder jurisdicional pudesse se concentrar em apenas um único órgão, a probabilidade de ocorrência de decisões antagônicas, contraditórias, heterogêneas, talvez fosse bem menor, porém com grave redução das garantias individuais em razão de possíveis erros e arbitrariedades judiciais. Diante dessa impossibilidade, atendendo à necessária divisão de trabalho e à busca pela eficiência, faz-se necessária a partilha do poder jurisdicional, que na lição de Ernane Fidélis dos Santos:

O exercício da jurisdição pelo órgão que dela é investido, em si, não comporta limitações. O órgão jurisdicional é criado e existe para o fim exclusivo de tutela jurisdicional permitida. Havendo, porém, pluralidade de órgãos jurisdicionais, a lei limita a atividade de cada um. Esta limitação se chama “competência”, que é a medida exata de jurisdição do órgão judicante, ou seja, a fração que lhe compete no amplo exercício da função estatal de aplicação da justiça.[7]

A doutrina, majoritariamente, entende a competência como um pressuposto de validade, levantando a questão sobre a busca do juízo correto para o processo e julgamento de determinada ação judicial. Mister se faz a análise dos critérios de fixação para a sua determinação que estão divididos em objetivo, funcional e territorial. As lições ora tratadas são retiradas, em sua maioria, do Direito Civil, porque neste ramo jurídico incide a maior dificuldade na definição do juízo competente, merecendo mais atenção dos juristas. A gama de demandas cíveis é, indubitavelmente, mais diversificada do que as penais, merecendo um acréscimo na especialização dos seus órgãos para a entrega de um resultado mais eficiente, melhorando a resposta jurisdicional do Estado.

A competência pode ter a característica de absoluta quando predomina o interesse público, indisponível e imprescindível o respeito estrito à legislação. A violação da lei deve ser declarada de ofício pelo juiz, desconsiderando o interesse particular, não se admitindo a eleição de foro. Está franqueada às partes a alegação de incompetência a qualquer momento e grau de jurisdição, eivando de nulidade os atos decisórios, inclusive a sentença. A segunda classificação da competência é denominada relativa, predominando o interesse particular, cuja violação não pode ser declarada de ofício pelo juiz. A alegação de incompetência relativa deve ser exposta pelo interessado na primeira oportunidade de falar nos autos, sob pena de preclusão e perpetuação da competência. Resta franqueada às partes a eleição de foro.[8]

Em se tratando de Direito Penal Militar, ramo jurídico de Direito Público, portanto, indisponível, não há que se considerar outra competência senão a absoluta. A violação aos seus preceitos viciará de nulidade a respectiva ação penal. Logo, o devido processo legal não prescindirá de uma análise mais específica e cuidadosa para a judicialização e consequente julgamento das condutas atentatórias aos bens jurídicos das Instituições Militares. Está fora de cogitação qualquer interpretação extensiva no sentido de amenizar o entendimento sobre a definição da competência da Justiça Militar, não sendo possível relativizar o que deva ser absoluto por força de lei. É essencial que os operadores do Direito procedam à análise preliminar dos requisitos formais e materiais a fim de se certificarem de que a ação supostamente delitiva deva ser manejada dentro do escopo do Direito Penal Militar.

A competência da Justiça Militar encontra previsão constitucional no artigo 124 da Carta Constitucional, verbis: “Art. 124 - À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. A lei que trata da definição dos crimes militares é o Código Penal Militar, Decreto-lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969. Este códex subdivide os crimes militares conforme o contexto em que se encontra a nação, quanto ao estado de beligerância, em tempo de paz ou de guerra. O art. 9º prevê os crimes militares em tempo de paz, objeto desta obra, com destaque para as condutas que atentam contra o patrimônio e a ordem administrativa militar, verbis:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados:

(...)

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;    

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

As condutas proibidas que atentam contra o patrimônio e a ordem administrativa militar não diferenciam o agente, seja civil ou militar, para a integralização do tipo criminal. Ambos são susceptíveis de responder pelo ilícito perpetrado em razão da previsão legal assentada no Código Penal Militar. Porém, não se olvida que o crime militar é uma modalidade especial de ilícito, merecendo um tratamento excepcional do Direito Penal, conforme descrito no julgado seguinte do Supremo Tribunal Federal, verbis:

O paciente foi denunciado pela prática de delito do art. 315 do CPM, classificado como crime militar em sentido impróprio – aqueles que, embora previstos na legislação penal comum, também estão tipificados no CPM por afetarem diretamente bens jurídicos das Forças Armadas (art. 9º, III, a, do CPM). É competente, portanto, para processar e julgar o paciente a Justiça Castrense, por força do art. 124 da CF [Habeas Corpus nº 98.526, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 29-6-2010, 1ª T, DJE de 20-8-2010].[9]

O artigo 315 do CPM tipifica o delito de fazer uso de documento falso, caracterizado como crime impróprio militar por não se tratar de conduta exclusiva dos integrantes da carreira das armas, encontrando previsão também no ordenamento jurídico-penal comum. O fato típico deve ser analisado sob o enfoque do bem jurídico violado a fim de definir a competência da Justiça Militar. A conduta delituosa, sendo o agente civil ou militar, atentatória à ordem administrativa militar, desloca a competência criminal para a Justiça especial. O processo e julgamento de crimes militares deve seguir estritamente a definição legal do respectivo códex, merecendo ser tratado no campo da exceção quando comparada ao ordenamento jurídico ordinário, conforme demonstrado no julgado seguinte, verbis:

Os crimes militares situam-se no campo da exceção. As normas em que previstos são exaustivas. Jungidos ao princípio constitucional da reserva legal – inciso XXXIX do art. 5º da Carta de 1988 –, hão de estar tipificados em dispositivo próprio, a merecer interpretação estrita. Competência. Homicídio. Agente: militar da reserva. Vítima: policial militar em serviço. Ainda que em serviço a vítima – policial militar, e não militar propriamente dito – a competência é da Justiça comum. Interpretação sistemática e teológica dos preceitos constitucionais e legais regedores da espécie [Habeas Corpus nº 72.022, rel. min. Néri da Silveira, j. 9-2-1995, P, DJ de 28-4-1995].[10]

A definição da competência militar deve seguir uma reta e cuidadosa interpretação, sob pena de avocar condutas tipificadas pelo Direito Penal comum, incidindo em uma clara violação constitucional. O artigo 109, IV, da CF/88, ilustra a competência da Justiça Federal, com a ressalva da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral, verbis:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;

A análise da competência deve partir da visão geral para a específica. A verificação da conduta delitiva deve iniciar sua trajetória buscando definir se o fato jurídico é atinente ao Direito Penal ordinário ou a alguma legislação especial, no caso ao Direito Penal Militar. Feito isso, após estabelecido que a ação penal deva ser julgada por um fórum de natureza militar, deve-se proceder à análise para identificar se os agentes envolvidos deverão ser submetidos ao escrutínio da Justiça Militar Federal; caso não o seja, a culminância é a do manejo pela Justiça Estadual, cuja competência é residual. Em resumo, tratando-se especificamente dos crimes militares, dois são os órgãos competentes para processo e julgamento, a Justiça Militar Estadual e a Justiça Militar Federal. A CF/88 prevê em seu art. 125, quanto à Justiça Militar Estadual, o que segue, verbis:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

(...)

§ 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes. (Redação dada pela EC 45/2004)

A Lei de Organização Judiciária de cada unidade da federação definirá as normas de funcionamento da respectiva Justiça Militar, sendo esta de exclusiva iniciativa dos respectivos Tribunais de Justiça, conforme se depreende do julgado abaixo, verbis:

A competência em razão da matéria é definida pela Lei de Organização Judiciária, salvo a do tribunal do júri (CPC, art. 91, e CPP, art. 74). (...) A lei estadual pode conferir ao juiz, enquanto no desempenho das funções próprias da Vara de Auditoria Militar, outras atribuições, como a de cumprir cartas precatórias da Justiça Penal comum [Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.218, rel. min. Maurício Corrêa, j. 5-9-2002, P, DJ de 8-11-2002 = RHC 85.025, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 8-3-2005, 1ª T, DJ de 10-11-2006].[11]

Quanto à iniciativa exclusiva dos Tribunais de Justiça dos Estados para a criação e organização da Justiça Militar estadual, verbis:

(...) pelo disposto no art. 125, § 3º, da CF, há expressa reserva constitucional federal em favor da lei ordinária estadual, de iniciativa exclusiva do tribunal de justiça, para criação da Justiça Militar estadual, e, sendo certo que, competindo a essa lei ordinária a criação dessa Justiça a ela também compete a sua organização e a sua extinção, não pode a Carta Magna estadual criar, ou manter a criação já existente, organizar ou extinguir a Justiça Militar estadual [Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 725, rel. min. Moreira Alves, j. 15-12-1997, P, DJ de 4-9-1998. = ADI 471, rel. min. Eros Grau, j. 3-4-2008, P, DJE de 29-8-2008].[12]

O parágrafo 4º do art. 125 da CF/88 explicita a competência da Justiça Militar dos Estados, indicando atenção à estrita legalidade, pois, tratando-se de jurisdição criminal, matéria de ordem pública e indisponível, não deve fugir à reta obediência da norma jurídica positivada, verbis:

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (Redação dada pela EC 45/2004)

Importante destaque deve-se fazer quanto à diferença de competência atribuída pela CF/88 à Justiça Militar dos Estados e à Justiça Militar da União. Quanto à primeira, a jurisdição penal está restrita ao processo e julgamento dos militares estaduais, policiais militares e bombeiros militares, que cometeram crimes militares definidos em lei. Entretanto, a Justiça Militar da União não faz essa restrição subjetiva, sujeitando à sua competência os crimes militares previstos em lei, não distinguindo os agentes civis ou militares das Forças Armadas. O julgado seguinte do STF materializa esse entendimento quanto à competência da Justiça Militar dos entes da federação, verbis:

A Justiça Militar estadual não dispõe de competência penal para processar e julgar civil que tenha sido denunciado pela prática de crime contra a polícia militar do Estado. Qualquer tentativa de submeter os réus civis a procedimentos penais-persecutórios instaurados perante órgãos da Justiça Militar estadual representa, no contexto de nosso sistema jurídico, clara violação ao princípio constitucional do juiz natural (CF, art. 5º, LIII). (...)A competência constitucional da Justiça Militar estadual, portanto, sendo de direito estrito, estende-se, tão somente, aos integrantes da polícia militar ou dos corpos de bombeiros militares que hajam cometido delito de natureza militar [Habeas Corpus nº 70.604, rel. min. Celso de Mello, j. 10-5-1994, 1ª T, DJ de 1º-7-1994].[13]

Outra diferença identificada entre as competências da Justiça Militar Federal e a dos Estados é relativa ao tratamento das transgressões disciplinares. No âmbito das Forças Armadas, as condutas de indisciplina, quando questionadas judicialmente, devem ser processadas e julgadas junto à Justiça Federal ordinária. A aplicação das punições disciplinares previstas nos regulamentos das Forças Armadas remete a um ato administrativo militar, representando uma declaração das instituições afins com consequências jurídicas, cuja competência para apreciação judicial está explicitada no art. 109, I, da CF/88. Apenas os crimes militares a nível federal serão da competência da Justiça Militar da União. Em se tratando de atos indisciplinares nas Forças Auxiliares dos Estados, competentes serão os respectivos juízes de Direito das auditorias militares, conforme se depreende do §5º, art. 125, da CF/88, verbis:

§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares. (Incluído pela EC 45/2004)

O STF já enfrentou a matéria em algumas oportunidades, conforme segue, verbis: “O art. 125, § 5º, da CF contém exigência de que as demandas que tenham por objeto ato disciplinar cometido por militar sejam julgadas em primeiro grau por juiz de direito (...)” [Agravo em Recurso Extraordinário nº 807.649, AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 2-9-2014, 1ª T, DJE de 9-10-2014].[14] E reforçando o mesmo entendimento, verbis: “A competência prevista no § 5º do art. 125 da CF sobre a atuação do juízo militar presentes ações judiciais contra atos disciplinares militares apanha questões ligadas não só ao mérito do ato como também a aspectos formais” [Recurso Extraordinário nº 552.790. AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 8-10-2013, 1ª T, DJE de 4-11-2013].[15]

Antes de encerrarmos o presente estudo, traremos à discussão os conceitos de conflitos positivos e negativos que surgem a respeito do instituto ora debatido. Dá-se o conflito positivo de competência quando dois ou mais juízes se declaram competentes para o processo e julgamento de determinado fato. A contrario sensu, quando se consideram incompetentes, atribuindo reciprocamente a competência, ocorre o que se denomina conflito de competência negativo.  Uma terceira situação que pode surgir é quando há controvérsia entre dois ou mais juízes a respeito da necessidade de reunião ou separação de processos, instalando-se um conflito positivo ou negativo, conforme o caso. Segue um acórdão do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, verbis:

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO ENVOLVENDO POLICIAS MILITARES DE DIFERENTES UNIDADES DA FEDERAÇÃO. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA MILITAR. DISSENSO ACERCA DA PRÁTICA DE CRIME MILITAR OU COMUM. POLICIAIS FORA DE SERVIÇO. DISCUSSÃO INICIADA NO TRÂNSITO. CONTEXTO FÁTICO QUE NÃO SE AMOLDA AO DISPOSTO NO ART. 9º, II, A, E III, D, DO CPM. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.1. Nos termos da orientação sedimentada na Terceira Seção desta Corte, só é crime militar, na forma do art. 9º, II, a, do Código Penal Militar, o delito perpetrado por militar da ativa, em serviço, ou quando tenha se prevalecido de sua função para a prática do crime. Interpretação consentânea com a jurisprudência da Suprema Corte. 2. Em se tratando de crimes dolosos contra a vida, deve ser observado, ainda, o disposto no art. 9º, § 1º, do Código Penal Militar, de modo que tais delitos, quando perpetrados por policial militar contra civil, mesmo que no exercício da função, serão da competência da Justiça comum (Tribunal do Júri). (...) 5. O fato não se amolda à hipótese prevista no art. 9º, II, a, do CPM, notadamente porque o evento tido como delituoso envolveu policiais militares fora de serviço, sendo que o agente ativo não agiu, mesmo com o transcorrer dos acontecimentos, como um policial militar em serviço. (...) 7. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara do Tribunal do Júri da comarca de Teresina/PI, o suscitado. [16]

A Lei 13.491/2017 trouxe importantes inovações para a definição da competência da Justiça Militar. A alteração do inciso II, art. 9º, do Código Penal Militar, ampliou sobremaneira o rol dos crimes equiparados à natureza militar no ordenamento jurídico. Antes da edição da nova lei, a previsão normativa estava assim disposta: “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados (...)”. A descrição do inciso denotava que os crimes de competência da Justiça Militar deveriam estar previstos no Código Penal Militar, mesmo encontrando igualmente previsão no ordenamento jurídico-penal comum.

A mudança operou uma profunda alteração, quando dispôs, verbis: “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados (...)”. Uma sutil alteração do texto operou uma grande modificação legislativa. A partir da Lei nº 13.491/2017, não apenas os tipos delitivos previstos no Código Penal Militar estarão sob a guarida da Justiça Militar, incrementando-se nesse rol todos os tipos delitivos do ordenamento penal comum, desde que preenchidas as condições estabelecidas no art. 9º. Logo, caracteriza-se crime de natureza militar toda a conduta típica, antijurídica e culpável, prevista no ordenamento jurídico-penal pátrio, que atente contra os bens jurídicos penalmente relevantes das Instituições Militares. Nesse ponto, não se pode dispensar uma análise cuidadosa do caso concreto, a fim de verificar se o bem violado ou posto em perigo merece a tutela dessa Justiça especial.

Em relação aos crimes dolosos contra a vida de civis cometidos por militares das Forças Auxiliares, mantém-se a competência do Tribunal do Júri, conforme disposto no art. 125, § 4º, da CF/88, cc. art. 1º, § 1º, da Lei nº 13.491/2017, verbis: “§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri”. De maneira diferente está regulada a regra que trata de crimes dolosos contra a vida de civis intentados por militares das Forças Armadas, sob determinadas condições, disposta no art. 1º, §2º, da mesma lei, verbis:

Art. 1º....

(...)

§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:

A competência da Justiça Militar difere nas esferas federal e estaduais, requerendo um cuidado maior na análise contextual dos fatos, pois o ordenamento jurídico-penal militar não encontra perfeita identidade nos dois níveis governamentais.  Esse instituto, quando em sede da Justiça Militar da União, está vinculado apenas à matéria relativa à caracterização do crime militar sob sua jurisdição, classificada pela doutrina como ratione materiae, seja o agente causador civil ou militar. De forma mais restrita está definida a competência da Justiça Militar Estadual que, além da natureza do crime em sentido material, não prescinde de uma verificação da condição de militar, policial ou bombeiro, do acusado, recebendo as classificações doutrinárias de ratione materiae ratione personae.

Elencadas algumas diferenças entre as competências da Justiça Militar Federal e das Justiças Militares dos Estados, impende reforçar o caráter absoluto da jurisdição criminal, merecendo atenção a leitura e interpretação correta da legislação, sob pena de nulidade. A positivação da norma definidora desse instituto não deve dispensar uma análise do caso concreto, pois, não raras vezes, surgem questionamentos quanto à matéria, provocando inúmeros debates nos tribunais superiores. A ratio essendi está na intelecção do bem jurídico penalmente relevante que definirá o juízo correto para o processo e julgamento dos fatos criminosos atentatórios às Instituições Militares, de forma a prevenir a violação do princípio constitucional do juiz natural, também com previsão expressa no art. 8º, 1., da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, verbis:

1.              Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Logo, não há como negar a relevância do assunto tratado, pois está umbilicalmente atrelado ao respeito às garantias e dignidade do acusado. O processo e julgamento levado a cabo por um juiz ou tribunal incompetente põe em risco a higidez do sistema jurídico, violando o Estado Democrático de Direito e causando inúmeros problemas, entre os quais o recrudescimento da insegurança jurídica.

 

4.    CONCLUSÃO

A argumentação trazida ao debate sobre o tema da jurisdição e da competência, com ênfase no Direito Militar, constitui um elemento importante no aprendizado e entendimento desta área jurídica. Foi seguida uma sequência lógica com o intuito de facilitar o desenvolvimento argumentativo. A jurisdição, grosso modo, significa “dizer o Direito”, constituindo um poder-dever do Estado na condução do Direito Penal e aplicação da respectiva violência legítima expressada através da pena. É imperioso o respeito à legalidade no processo e julgamento dos crimes que, em razão da crescente complexidade e dinâmica das relações sociais, levou ao surgimento de apêndices específicos do tronco central do ordenamento jurídico. Essa especialização, essencial ao regular funcionamento do Poder Judiciário, constitui o que podemos denominar de competência.

A jurisdição no Brasil é una, significando dizer que o seu monopólio pertence aos juízes e tribunais que compõem o Judiciário pátrio. Apesar da independência entre os Poderes da República, há a necessidade de manutenção da harmonização recíproca através da definição clara de atribuições, cabendo ao Poder Judiciário “dizer o Direito” em última instância, quando instado a se pronunciar. A este cabe apreciar a lesão ou a ameaça de lesão aos direitos individuais e coletivos, com força de coisa julgada. Esse poder-dever ancora-se no preceito do livre convencimento do magistrado, não olvidando da vinculação à norma positivada que é elemento essencial à motivação das decisões judicias. O julgador obtém a legitimidade através do instituto da jurisdição sob a condição de se submeter ao princípio da legalidade, operando dentro dos limites previamente estabelecidos na Carta Constitucional e demais leis integrantes do ordenamento jurídico brasileiro.

A Justiça Militar tem caráter especial e fragmentário, cuja missão é o processo e julgamento dos crimes militares capitulados no respectivo códex, além das exceções já mencionadas, abarcando tanto os ilícitos perpetrados pelos integrantes das Forças Armadas quanto pelos das Forças Auxiliares. Esta competência está definida na Constituição Federal, devendo atuar única e exclusivamente nos estritos contornos legais, pois moldada a atender a preceitos específicos de fatos ocorridos sob condições peculiares e de interesse das respectivas Instituições Militares. Em sede de apuração e aplicação de sanções criminais, inclusive com previsão de pena capital quando em situações de guerra declarada, deve ser enaltecido o compromisso do respeito às normas adjetivas legitimadoras da tutela penal militar.

O Direito castrense tem um forte viés disciplinador, detentor de punições mais gravosas que o Direito Penal ordinário, pois sua construção está baseada, em grande parte, mutatis mutandis, na apuração de ilícitos criminais cometidos por militares em desfavor das respectivas Instituições. Por essa razão, o seu manejo deve estar limitado a fatos específicos e com expressa previsão legal, não merecendo prosperar qualquer exegese extensiva que possa provocar a avocação das condutas supostamente ilícitas para essa Justiça especializada. Tal atitude traduziria uma manobra ilegal claramente violadora do princípio do juiz natural e, consequentemente, da competência. Daí a relevância do estudo desta última e a reta compreensão de sua aplicação no Direito Penal Militar.  As narrativas falaciosas que, sob um pretexto de promover a justiça, mesmo através de manipulações hermenêuticas para criar condições equivocadas de procedibilidade penal, devem ser expurgadas das auditorias e tribunais militares, quando detectadas, pois representam verdadeiras anomalias do ordenamento jurídico pátrio, servindo tão somente para a promoção pessoal das autoridades judiciárias respectivas.

Por derradeiro, ao Estado cabe a promoção da segurança jurídica que é um instituto indispensável na promoção da eficácia para a manutenção da harmonia e paz social. As ações de cunho político e com claras intenções de promoção pessoal não se coadunam com o exercício da jurisdição. Há que se manter sob um controle rígido o ativismo judicial nesse sentido, admitindo-se o seu emprego apenas em situações excepcionais e específicas de irrefutável interesse público. O estrito cumprimento da lei e o preceito fundamental do respeito a sua anterioridade não pode ser mitigado, no que tange à competência de cada fórum jurídico, sob a justificativa da necessidade da persecução penal a qualquer custo e suposto recrudescimento do combate à impunidade, pois a construção e evolução dogmática deste instituto, assim como tantos outros caros ao Direito Penal, está assentada literalmente em um terreno encharcado de sangue de inúmeros inocentes vitimados pelos sistemas jurídicos ao longo da história da humanidade.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2018. 1895 p. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf. Acesso em: 20 abr 2020.

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. Salvador – BA: Podivm, 2007.

FEUERBACH, Anselm Von. Tratado de Derecho Penal. Tradução ao castelhano da 14.ed. alemã por Eugênio Raul Zaffaroni e Irma Hagemeier. Coleção Criminalistas Perenes. v. 1. Buenos Aires: Editorial Hammurabi, 1989.

LASCANO, Carlos Julio. Derecho Penal. Parte General: libro de estudio. 1ª. ed. Córdoba: Advocatus, 2005. p.26.

SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de processo civil. v. 1. Processo de conhecimento. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 125.

SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. 3. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2014. p. 1.


[1] Mestre em História das Ideias Penais da Faculdade Damas, advogado atuante e especialista nas áreas de direito administrativo, civil, processual civil e empresarial, alexandre@gmaadvogados.adv.br.

[2] SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. 3. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2014. p. 1.

[3] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. Salvador – BA: Podivm, 2007. pp. 65-68.

[4] FEUERBACH, Anselm Von. Tratado de Derecho Penal. Tradução ao castelhano da 14.ed. alemã por Eugênio Raul Zaffaroni e Irma Hagemeier. Coleção Criminalistas Perenes. v. 1. Buenos Aires: Editorial Hammurabi, 1989. p. 315.

[5] LASCANO, Carlos Julio. Derecho Penal. Parte General: libro de estudio. 1ª. ed. Córdoba: Advocatus, 2005. p.26.

[6] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. Salvador – BA: Podivm, 2007. P. 93.

[7] SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de processo civil. v. 1. Processo de conhecimento. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 125.

[8] SILVA, Edward Carlyle. Direito Processual Civil. 3. ed. Niterói, RJ: Impetus, 2014. pp. 72-74.

[9] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2018p. 1273. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf. Acesso em: 20 abr 2020.

[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2018. p. 1274. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf. Acesso em: 20 abr 2020.

[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2018. p.1284. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf. Acesso em: 20 abr 2020.

[12] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2018. p.1284. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf. Acesso em: 20 abr 2020.

[13] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2018. p.1286. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf. Acesso em: 20 abr 2020.

[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2018. p.1286. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf. Acesso em: 20 abr 2020.

[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 6. ed. atual. até a EC 99/2017. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2018. p.1286. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoLegislacaoAnotada/anexo/a_constituicao_e_o_supremo_6a_edicao.pdf. Acesso em: 20 abr 2020.

[16] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. CC 170201 / PI CONFLITO DE COMPETENCIA 2019/0385077-0. Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR (1148). S3 - TERCEIRA SEÇÃO. Data do julgamento 11/03/2020. DJE 17/03/2020. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?livre=COMPETENCIA+CRIME+MILITAR&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true. Disponível em: 20 abr 2020.


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